A Professora Daniele trata da pluralidade cultural nas escolas brasileiras. Em um dos momentos mais elucidativos da aula, é apontado que três atitudes abordam de maneira insuficiente ou mesmo completamente fora das noções democráticas o assunto.
1. Encarar a diferença no outro como fonte de mal, como algo a ser corrigido, como um defeito.
2. Encarar o outro de forma estereotipada e exótica, como se ele fosse o modelo ideal de determinada cultura. Por exemplo, um aluno de família com traços étnicos-culturais diferentes da maioria da classe como se ele fosse a representação daquela cultura diferente e não como se ele, tal como os demais, fosse influenciado por diversas culturas com as quais ele interage.
3. Ver a diferença como algo apenas a se tolerar. A tolerância é importantíssima como passo inicial para a convivência, mas não se pode limitar a ela. É necessário partir da tolerância para a compreensão do outro e de seus valores.
A convivência democrática dentro da pluralidade cultural é tema muito rico para ser trabalhado de forma transversal na escola. Considero pertinente ao assunto o texto de Julia Antoun, que diz aquilo que eu mesmo argumentaria:
Tolerância faz a gente melhor?
por Julia Antoun, segunda, 17 de outubro de 2011 às 01:58
Não faz muito tempo, uma professora que admiro muito dava sua aula sobre os ideais humanistas do século XVIII, e estava fazendo uma comparação com os nossos anseios atuais. As palavras de ordem humanistas que mais emitimos embusca da evolução consciente coletiva. Até que alguém soltou a palavra "Tolerância".
Ela disse: "Isso! Tolerância. Odeio essa palavra, mas sim, Tolerância! Pensamento muito vigente!"
Por muitos segundos, fiquei em choque. Como assim a professora odiava essa palavra? O que a faria odiar?
Tolerância é, com certeza, um dos conceitos mais em voga na nossa sociedade. Tolerância é tida como a palavra de ordem anti-preconceito. Anti-preconceito de tudo. Xenofobo, homofóbico, nazi-fascista, inter-racial, social, econômico, comportamentos, manias... Tudo.
Tolerância é o que se exige para que todos possam conviver com suas diferenças.
Mas a professora continuou, desafogando-me um pouco do que ela quis dizer, mas insistindo em me instigar:
"Sério, como odeio essa palavra. A gente não tem que tolerar. A gente tem que entender. Quem 'tolera', não aceita. E as coisas que se supõe que deve haver tolerância não são refletidas, só são tratadas como algo que se deve engolir. A tolerância cega as pessoas. Quem não quer aceitar, se sente pressionado a tolerar, para não passar por intolerante, algo feio, segundo a sociedade. Tolerância é máscara dos preconceitos. Ao invés de extirpá-los, as pessoas fingem que está tudo bem. Até alguém não fingir, e matar outra pessoa por ser diferente do mundo do assassino".
Bingo.
Aquilo fez muito sentido. A aula continuou, eu tentei sossegar um pouco meus pensamentos pra prestar atenção na matéria. Mas assim que saí de lá, e até hoje, essas palavras retumbam na minha cabeça.
Porque eu fiquei incomodada. Apesar daquilo fazer muito sentido, ser um ponto de vista inegavelmente inteligente e bonito, e eu de certa maneira concordar, fiquei pensando porque aquilo ainda tinha um tom radical pra mim.
A conclusão a que cheguei pode ser óbvia, mas ela passou por alguns testes até ser de fato clara, e não auto-enganadora (ou assim eu me sentir.). Algo que me tranquilizasse.
Quando a professora pensava na Tolerância, pensava nas pessoas aceitando o conceito goela abaixo, ou empurrando-os goela abaixo, sem pensar porque de fato estavam fazendo isso, sem pensar porque não era bom ter seus preconceitos. Talvez ela achasse que a Tolerância sufoca a Compreensão. Porque pra maioria das pessoas, até quem se diz com poucos preconceitos, é isso mesmo que ela faz.
Ao invés de usar o cérebro e seu poder de observação e de reflexão, muitos apenas se contentam em "respeitar as diferenças". Sem saber devidamente porque deve às diferenças o respeito que lhes cabe. Toma-se o "cada um é cada um" como a frase cega do respeito. Não se pensa porque tem de aceitar, mas apenas aceita que existe.
A exemplo, não adianta tolerar que uma pessoa de baixa renda possui erros gramaticais em sua fala e gosto pouco sofisticado se você não compreende da onde vem. Se você só aceita as respostas "má formação", "Educação precária" e "pouca oportunidade social". Não adianta saber o que é isso. Você precisa entender o que é isso. Imaginar o quanto isso afeta. Imaginar o quanto nós mesmos somos influenciados pelas coisas que chegam até nós. E o quanto é difícil sair disso quando não há nenhuma apoio no meio que lhe permita. Por mais que casos isolados se gente que conquistou isso sem ajuda de ninguém aconteçam. Não é fácil.
Esse é um simples e próximo exemplo do tamanho do desconhecimento que temos sobre as pessoas. Não sabemos o que elas passaram, o que elas sentem, as pequenas impressões que marcaram suas vidas, nem como seus corpos funcionam, como seu sistema sensitivo é atingido, como um fato pode ter influenciado na sua mente...
Tentar perceber da onde vem as diferenças, tentar compreendê-las, é que faz potencialmente com o que o preconceito suma.
Quanto mais a gente é sensível ao mundo pessoal dos outros, melhor atingimos esse tipo de compreensão.
Isso, no entanto, é o que devemos buscar como comportamento para sermos Seres Humanos melhores. Mas nem sempre as pessoas conseguem atingir esse Estado de Compreensão. É aí que a Tolerância se faz necessária, porque enquanto não se compreende, é necessário tolerar.
E aí descobri meu incômodo com a fala da minha professora.
Entendo o ódio dela pelo uso da Tolerência como uma máscara das pessoas para agir tudo no automático, sem pensar, sem saber o que está fazendo, sem entender, sem refletir. Sem tentar extirpar seus preconceitos.
Esta é uma tarefa que devia ser de todas. Mas enquanto a gente não atinge a Compreensão, a Tolerância se faz necessária. Uns param na Tolerância, e essa é a merda. Outras continuam buscando a Compreensão.
Mas então Tolerância não deve ser uma busca para sermos uma sociedade melhor. Tolerância é só parte de um caminho.